Três poemas | Adriana Versiani
e a gente
hora dessas
na história
e nós dois
balançando
na gangorra
e eu ainda
não sabendo
que era agora
e a noite
entardecendo
na memória
Solstício de inverno
Seus olhos cor de folha
Vislumbram a trilha seca
Teço o guarda-corpo com sisal
Do fundo da mata
Vêm os sons
Dos bilros e dos bugios
A vida não é menor que um parágrafo.
Esse sol e um mar de pedregulhos.
Mais adiante, bichos se alimentam de peixes mortos.
Ronaldo não acredita mais em nada, queimou todos os poemas e se descabela no apartamento por causa das infiltrações.
Francisco não bota fé no meu potencial.
Diz que só levo jeito mesmo para narrativas curtas, me falta fôlego.
(Quantos personagens resistem a um parágrafo?)
Ariadne continua tentando sobreviver em meio a essa desolação.
Um café curto no aeroporto e depois embarco.
A vida não se mede em um parágrafo e Ronaldo todo dia pensa na morte.
Consertou as torneiras que pingavam, leu todos os livros da biblioteca onde esteve trancado por mais de uma década.
Vingou-se arrancando as páginas do meio.
Ronaldo tem talento para narrativas curtas.
Engoliu as páginas do meio e se aposentou.
Agora, faz reparos no apartamento e vez ou outra se alimenta.
A vida é mortal como um parágrafo.
Ariadne distribui sorrisos e enche os pés de bolhas todas as segundas.
Usa meias elásticas para ajudar na circulação.
Ganhou uma caixinha de sombras no Natal e aprendeu a pintar os olhos.
Ariadne não tem fôlego para narrativas curtas.
Engulo um parágrafo, tomo um café curto e Francisco despreza o mundo.
Caminho sobre o mar de pedregulhos onde bichos se alimentam de peixes mortos, enquanto ele se afoga em um mar de contas para pagar.
Não bota fé no meu potencial: duvida do meu fôlego.
Ronaldo observa as brasas e Ariadne prepara o escalda pés.
Em silêncio, eles pensam em quantos personagens cabem numa narrativa.
A vida é curta.
Adriana Versiani é natural de Ouro Preto/MG. É poeta e artista visual. Tem diversos livros publicados, dentre eles: A Física dos Beatles (2005), Conto dos dias (2007), Livro de papel (2009), A lâmina que matou meu pai (2012), Diário de A (livro de artista, 2013), Três Pedras (2014), Arqueologia da Calçada e Farmacopeuma (2018), Um bicho,dois gravetos quatro pingos (2020), O inverno de Idea e Alejandra – Transalucinações (2021), Não me olhe com esses olhos de quem viu um Lobisomem (2022). Integrou o Grupo Dazibao de Divinópolis/ Belo Horizonte. Foi co-organizadora da Coleção Poesia Orbital (1997, produzida para as comemorações dos 100 anos de Belo Horizonte) e do Jornal Inferno. Fez parte do conselho editorial da Revista de Literatura Ato. Foi editora do Jornal Dezfaces.