Cultura

Poemas | Ester Abreu Vieira de Oliveira

POEMAS

 

VER-SE NAS FOTOS

 

Aos cinqüenta e sete anos tirei retratos

e aos 15 e aos dezoito também.

Uno-os com o das bodas

de branco véu

e comparo-os.

 

Aos cinqüenta e sete anos tirei varias fotos.

Algumas sérias a cara mostrava

outras não.

À direita e à esquerda me fitei.

 

Trinta quilos a mais

Quarenta anos depois!…

 

As fotos revelaram o trabalho de Cromo

e a descoberta de um lado feio:

sobrancelhas caídas,

cara chorosa.

De um ar suave 

passa-se para um apreensivo.

 

Aos cinquenta e sete anos tirei algumas fotos.

As fotos revelaram-me a dualidade da face.

O sorriso da foto da esquerda

retoma o dos quinze,

mas na foto da direita o tempo mostra suas marcas.

Há mais suavidade, beleza na foto da esquerda

e mais agressividade e tristeza na da direita.

Se relembrarmos Dorian Gray,

à esquerda está a alma

e à direita a vil e mutante matéria.

Essa solução amacia o ego.

***

REMEMORANDO

 

Primeira experiência

Livre e pura 

A vida corria.

O campo aberto, 

As árvores frutíferas…

As frutas maduras…

Goiabas, araçás, mexericas, 

laranjas, cajus

incentivavam o paladar.

A boca gulosa

suja de biribás,

amarela das mangas

colados os lábios com os abios… 

A língua vermelha e ácida das pitangas

ou esbranquiçada dos massudos abricós.

Quantas suculentas frutas!…

As nuvens retratando sonhos…

Gigantes, princesas, anões,

Árvores, animais…

A vida corria

Calma, sorrindo.

Os pássaros revoando

comendo jabuticabas, abios…

A abelhas zunzuando

E os furtivos beija-flores

vaidosos de sua agilidade

moviam as suas asas 

diante do espelho

do quarto da mãe.

A vida sensitiva rolava

sem tempo!…

O carreiro das formigas 

marcavam-lhes o silencioso

caminhar na parede.

A sombra à noite da jaqueira

com o ranger das janelas do casarão

estremeciam os pequenos

corações… e aceleravam os passinhos temerosos.

O cantar do vento nas árvores

o gotejar sob as telhas do quarto

nos dias chuvosos.

Os passos familiares passando

à noite pela rua

depois da passagem do trem Expresso das dez…

Tanto viver alegre e puro

Depois 

O silêncio do colégio interno

Caminhar em fila

Mãos para trás

Cabeça baixa

Levantar cedo

Ir para a capela

Prescrições

Timidez envolvendo

O crescer espontâneo

Agora

A vida que se esvai

Fluindo rápida

E se veste da pureza antiga.

***

 

RECORDAÇÃO

 

Secreta.

Longe dos ditames do tempo

ressurge

aurora que o sol espalha.

 

Fugidia vai-se no pôr do sol.

 

Recordação –

caminhos áridos

diários nos secretos recôncavos da alma.

 

Recordação –

primavera perdida,

única

nos infindos meses 

dos tempos esquecidos.

 

Um crepúsculo imenso abate a aurora.

Um colorido suave deixa

tristeza fechada em janelas

da diária verdade

sufocante.

LEMBRANÇAS!…

– Crepúsculos eternos das secretas recordações

que amargas lágrimas jorraram dos olhos que muito viram

o permanente estar em um jardim ideal.

 

***

 

JARDIM DAS HESPÉRIDES

 

Entre o dia que resplandece a terra

e a noite que a escurece e a submete, 

neste entardecer da vida,

despertei-me 

respirando um aroma

entre montes e mar 

com alegres trinados.

 

Penélope, entreteço com a vista

o colorido verde luz resplandecente

respingado de cores.

 

Sentada entre matizes e luz

que dia a dia se transformam,

morrem, renovam

espero Ulisses –

navegante do infinito –

numa partida tão sem retorno. 

 

Por Hércules clamei,

mas nem ele

com sua força inaudível

trará a nave que transporta o esperado viajante.

ESTER Abreu Vieira de Oliveira, professora Emérita da Ufes, atua nas áreas literárias de teatro, poesia e narrativa das Literaturas brasileira e hispânica, com publicações de tradução, poesia, ensaio, crônicas e livros infantis e didáticos.

 Nasceu em Muqui (1933). É Doutora em Letras Neolatinas (UFRJ), sua tese doutoral foi “O Mito de Don Juan: suas relações com Eros e Tanatos”. Pós-doutora em Filologia Espanhola – (UNED – Madri), apresentando a pesquisa “Para uma lectura del teatro actual: Estudio de Panic de Alfonso Vallejo”. Mestre em Letras-Português (PUC-Paraná), com a dissertação “Alguns aspectos do possessivo em português em confronto com o espanhol”. 

Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo; à Academia Espírito-santense de Letras, Cadeira 27, atual Presidente; à Academia Feminina Espírito-santense de Letras. Cadeira 31, atual Tesoureira; e a outros segmentos culturais e literários do Brasil e do exterior. Tem atuado como membro de corpo editorial de revistas e de editoras, no Brasil e no exterior, e de organização de livros e de antologias, como também, em Setores Culturais, participando em comissões culturais do Estado e do Município de Vitória.

 

 

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