Poemas
Amor em tempos de corona
Falsos toques furaram o céu
Uma gota de sangue cai nos meus ombros
Alice olha a imensidão
E não vê sequer uma estrela.
Gabriel sopra dos meus olhos o lume da lua
Para que as minhas palavras se reduzam a cinzas.
Quando tudo isto passar
Vou tomar banho e ponho um perfume
Olho para o chão e sonho
Sonho como uma criança
Sonho que toco nas tuas mãos
Lentamente, sem pressa
Depois misturo no teu cheiro
O cheiro da morte da nossa poesia
Abraços não, porque vão manchar o mel.
Flores bebem sol e poemas bebem vírus
Danças de respiração num feixe de luz
Beijos e apertos de mãos numa gaveta trancada
Os meus soluços, apenas os meus, na triste cidade
Infectada pelo Coronavírus.
***
Chuva verde
O vírus abandonou-me por aí
Num grito acorrentado pelo vento
A mastigar a voz do isolamento
A sangrar a âncora que cai
O vírus sonhou, e a morte amou
Como eu, por beijos e toques ansiei
Como pássaro triste flutua pelo céu
Como falso amigo, o vírus actua
Procurou na vida o respirar
O pulmão, como uma pessoa
Procura o amor sem esperar
No corpo o vírus se amontoa
Nos caixões a rima perdoa
Esse verso que perde o ar
***
Esperança mortal
Subitamente caminhei
Por ruas de calor desertas
De medos reflorestadas.
Do alarme ecoa um grito inaudível
Espantos esticam as rugas
Deixam rastos desconhecidos
Abandonados no pavor
E não de repente
Minhas caminhadas pelo rio
Tornam-se pregos que ferem
Meus sensíveis calcanhares.
A primavera acinzenta-se
Nuvens de solidão apõem-se
Nas minhas costas e meus olhos
Entulham-se de poeiras.
Num tom inesperado
Escondo o meu largo sorriso
Aquele sorriso que por vezes odiei
Rabisco que neguei e quis apagar.
Hoje, este sorriso está amarrado
Atrás das orelhas
Pendurado no brilho dos olhos.
Abruptamente, alastra-se
P’los berços da cidade
Uma cor, um mistério
Uma tonalidade salpicada
Pelo pavor da mudança
Este verde que é esperança!
Revisão: Maria Clara Costa
Glória Sofia nasceu em Cabo Verde em 1985 e formou-se em Engenharia do Ambiente na Universidade dos Açores. Desde sempre fascinada pela escrita, brinca com as palavras desde criança, trocando a boneca por um tesouro chamado “diário”, ao qual confiou todos os seus segredos de adolescência. Em 2013 publicou o seu primeiro livro de poesia, Poesia das Lágrimas. Escreveu o prefácio do livro Florescer, de Teresa Ruas e participou em várias antologias internacionais.. Possui diversos poemas musicados pelo cantor Américo Brito e tocados pelos grupos de batuque Lantuna e batucadeiras da Casa Tibérias. Participou nos Festivais Internacionais de Poesia em Curtea de Arges (Roménia, 2016), Istambul (Turquia, 2017), Ditet & Naimit (Macedónia/Albânia, 2018). Em abril de 2019 foi convidada pelas Universidades de Boston, Harvard e Tufts para uma leitura e conversação e representou Cabo Verde numa conferência organizada pelo Instituto Camões (UMASS, Boston, EUA). Foi nomeada para candidatar o prémio R.M. and P. A. I. Desenvolve atividade nas áreas culturais, frequenta tertúlias poéticas, e tem poesias traduzida em mais de 15 línguas e em diversas revistas e sites em que colabora. O amor por sua terra a fez aceitar o desafio de ser representante de vários grupos literários, como por exemplo, “immagine & poesia” e “unión mundial de poetas por la paz y la libertad”, world literature academy, nos Países Baixos, onde atualmente reside, acreditando que para além de escrever sentimentos precisa de falar ou mesmo gritar realidades, agindo. Ganhou o quinto lugar em “unión mundial de poetas por la paz y la libertad”.
Estou tao contente com esta publicacao.
Que honra.