Frances Harper: a poeta negra e abolocionista, mãe do jornalismo afro-americano
Frances Ellen Watkins Harper foi escritora, abolicionista e sufragista, considerada a “mãe do jornalismo afro-americano”. Harper fez campanha pela abolição da escravatura e apoiou as atividades do “Underground Railroad”, uma rede informal de contrabando formada por opositores da escravidão – incluindo muitos brancos – que organizava a fuga de escravos negros dos estados do sul dos EUA para os estados mais seguros do norte ou para a província do Canadá.
Nascida de pais negros livres, em 24 de Setembro de 1825, em Baltimore, ficou órfã aos três anos de idade e foi criada pelos tios. Estudou Bíblia, literatura, e retórica numa escola fundada pelo seu tio, a William Watkins Academy for Negro Youth. Aos 14 anos precisou trabalhar, mas só conseguia emprego no serviço doméstico e como costureira.
No ano da Lei do Escravo Fugitivo, em 1850, Harper mudou-se de Maryland, um estado pró-escravidão, para Ohio, onde ensinou ciência doméstica como primeira professora no Union Seminary. Em 1851, juntamente com o abolicionista William Still, presidente da Sociedade de Abolição da Pensilvânia, ela ajudou a contrabandear escravos fugitivos para o Canadá, através da ferrovia subterrânea. Sua carreira política começou quando Harper entrou na Sociedade Antiescravidão Americana, em 1853, como oradora pública. Em 1854, mudou-se para a Little York para trabalhar como professora. No ano seguinte, mudou-se para Filadélfia. Durante estes anos, Harper envolveu-se no movimento anti-escravidão, administrando palestras sobre o ativismo negro americano do século XIX, na Nova Inglaterra, no Midwest e na Califórnia.
Sua carreira política começou quando Harper entrou na Sociedade Antiescravidão Americana, em 1853, como oradora pública.
Em 1860, tornou-se esposa de Fenton Harper, em Cincinnati. O casal comprou uma quinta, em Ohio, e teve uma filha. Fenton morreu em 1864 e, viúva, Frances voltou a lecionar.
Na sua visita ao sul do país, ao deparar-se com as condições deploráveis, especialmente para as mulheres negras, da Reconstrução, após o término da Guerra de Secessão, Harper lecionou sobre a necessidade de igualdade de direitos para “a raça de cor” e também sobre os direitos das mulheres. Em 1883 tornou-se superintendente da Secção das Mulheres de Cor da Women’s Christian Temperance Union, na cidade de Filadélfia. E juntou-se à Associação Americana para a Igualdade de Direitos e à Associação Americana para o Sufrágio das Mulheres. Percebendo a exclusão virtual das mulheres negras do movimento por sufrágio, Frances Harper uniu-se às mulheres negras para formar, em 1894, a National Association of Colored Women, e tornou-se a primeira vice-presidente da organização.
A escritora afro-americana deixou um conjunto diversificado de obras, incluindo principalmente poesia, mas também prosa e ensaios. O poema The Dying Words of Goethe revela o seu conhecimento sobre o trabalho do poeta alemão, o qual foi adquirido, provavelmente, durante a sua estadia no lar espiritual Unitariano, uma comunidade religiosa livre de pensamento, política e socialmente progressista. Para os unitarianos, especialmente para o filósofo Ralph Waldo Emerson, Goethe era um dos mais importantes expoentes intelectuais. Harper situa-se assim numa linha literária de tradição permeada em Walt Whitman até no exilado Thomas Mann. As obras literárias de Frances Harper centraram-se, sobretudo, em questões de justiça racial, igualdade e liberdade. O primeiro volume de poemas da autora foi publicado em Baltimore, por volta de 1845, intitulado Forest Leaves ou Autumn Leaves, cujas cópias se perderam. A coletânea Poems on Miscellaneous Subjects, impressos em 1854, com um prefácio do ativista anti-escravidão William Lloyd Garrison, vendeu mais de dez mil exemplares e foi reimpressa e reeditada várias vezes. O conto Two Offers, divulgado na revista Anglo-African Magazine, em 1859, é considerado o primeiro conto publicado por uma mulher negra nos Estados Unidos.
Frances Ellen Watkins Harper morreu na Filadélfia, aos 85 anos de idade, a 22 de Fevereiro de 1911, nove anos antes de as mulheres terem adquirido o direito ao voto. Harper fundou, apoiou, e ocupou altos cargos em várias organizações progressistas nacionais. Tudo isto fez dela uma celebridade nacional e uma autora amplamente lida na época. No entanto, o seu trabalho foi largamente negligenciado e esquecido até ser “redescoberto” no final do século XX.
A mãe escrava
Ouviste os gritos? Ergueram-se de prontidão
Tão desvairadamente no ar,
Como se fossem um mau fardo
O coração em desespero a despedaçar.
Viste as mãos tão tristemente apertadas—
A cabeça débil curvada—
O estremecer do corpo frágil—
A visão de tristeza e desgraça?
Viste o olhar mísero e suplicante?
Todo o seu semblante puro sofrimento,
Como se fosse uma tempestade de agonia
A varrer a mente de padecimento.
Ela é uma mãe pálida de pavor,
O seu filho refugiado ao seu lado,
Agarra-se a ela e na sua saia
Para em vão ele trémulo ser ocultado.
Ele não lhe pertence, embora ela tenha que padecer
De uma mãe todo o sofrer;
Ele não lhe pertence, embora seu sangue
Esteja também nas veias dele a percorrer!
Ele não lhe pertence, pois mãos cruéis
Podem rudemente rasgar
O único laço do amor familiar
Que une o seu coração espatifado.
O seu amor tem sido uma luz alegre
Que em seu caminho brilha,
Um chafariz sempre novo jorrando,
No meio do deserto selvagem da vida.
A sua palavra mais leve tem sido um som
De música no coração dela a soar,
As suas vidas uma única correnteza
Oh, Pai! eles têm de se separar?
Arrancam-no dos seus envoltos braços,
No seu último e carinhoso enlaço.
Oh! nunca mais poderá seu desolado olhar
Ver o infeliz rosto do amado.
Sem espanto, então, nestes gritos amargos
Perturbarem o ar de desespero:
Ela é mãe, e o seu coração
Está a quebrar em flagelo.
(tradução: viviane de santana paulo)
The Slave Mother
Heard you that shriek? It rose
So wildly on the air,
It seem’d as if a burden’d heart
Was breaking in despair.
Saw you those hands so sadly clasped—
The bowed and feeble head—
The shuddering of that fragile form—
That look of grief and dread?
Saw you the sad, imploring eye?
Its every glance was pain,
As if a storm of agony
Were sweeping through the brain.
She is a mother pale with fear,
Her boy clings to her side,
And in her kyrtle vainly tries
His trembling form to hide.
He is not hers, although she bore
For him a mother’s pains;
He is not hers, although her blood
Is coursing through his veins!
He is not hers, for cruel hands
May rudely tear apart
The only wreath of household love
That binds her breaking heart.
His love has been a joyous light
That o’er her pathway smiled,
A fountain gushing ever new,
Amid life’s desert wild.
His lightest word has been a tone
Of music round her heart,
Their lives a streamlet blent in one—
Oh, Father! must they part?
They tear him from her circling arms,
Her last and fond embrace.
Oh! never more may her sad eyes
Gaze on his mournful face.
No marvel, then, these bitter shrieks
Disturb the listening air:
She is a mother, and her heart
Is breaking in despair.
Viviane de Santana Paulo (São Paulo – Berlim) é poetisa, tradutora, ensaísta e romancista. Seus poemas foram publicados em várias revistas e jornais da América Latina Lamerica e Europa. Autora dos livros, Viver em outra língua (romance, Solid Earth, Berlim 2017), Depois do canto do gurinhatã, (poesia, editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2011), Estrangeiro de Mim (contos, editora Gardez! Verlag, Alemanha, 2005) e Passeio ao Longo do Reno (poesia, editora Gardez! Verlag, Alemanha, 2002).