Cultura

Assim é (se me parece)

 

Esse mundo perdido, que se vai, sem deixar rastro, esse mundo estranho e solitário, dentro do qual agimos e estamos, esse mundo que se decompõe vagaroso e fatal…

 

Adeus, Pirandello”, Marco Lucchesi.
Ed. Rua do Sabão. Rio de Janeiro.

O título deste artigo tem a óbvia intenção de levar a quem vier a lê-lo a associá-lo ao dramaturgo, poeta e romancista italiano Luigi Pirandello (1867-1936), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1934, que aqui vamos reencontrar como protagonista de um romance brasileiro, que acaba de ser publicado pela Editora Rua do Sabão, de Santo André, São Paulo. Título: Adeus, Pirandello. Autor: Marco Lucchesi.

 

De quem se trata?

 

Além de poeta e romancista como o seu personagem, Marco Lucchesi é memorialista, ensaísta, tradutor, editor e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cidade em que nasceu no ano de 1963, e onde, desde 2017, preside a Academia Brasileira de Letras, sendo ele o mais jovem presidente que essa egrégia instituição já teve, desde a sua fundação em 1897, por Machado de Assis, o primeiro a presidi-la. 

 

Cidadão de Babel, ou seja, de dezenas de línguas e de todas as literaturas, na definição precisa do conceituado escritor brasileiro Alberto Mussa, em Adeus, Pirandello Marco Lucchesi escreve por música. (Ouço o segundo movimento do concerto Imperador de Beethoven. Mas por favor, com Glenn Gould ao piano. Sobretudo quando amplia o valor das notas. Aumentando a partitura e a narrativa). Sim, trata-se de um romance com trilha sonora – e um repertório para melómano algum botar defeito.

 

Imagine-o um virtuose à procura da Blue Note, que no jazz significa a nota que não consta na escala diatônica tradicional. Daí porque a sua escrita atinge ápices de transcendência, significando isto que Lucchesi é um artista incomum – e de muitas vozes e muitas pátrias -, desestabilizador das certezas de todas as narrativas, a exemplo do próprio Pirandello, cuja arte dramatúrgica e romanesca as pôs em xeque indelevelmente. (Sinto por ele o fascínio de outrora, algo incomum no pregão da bolsa literária – lê-se neste surpreendente Adeus, Pirandello).

 

Agora imagine o autor de Esta noite se improvisa exilado numa gaveta na cidade de Niterói, à beira da baía de Guanabara, no ano de 2020, quando em toda parte corpos se avolumam, abrem-se fossas comuns, enquanto se agitam vendedores de milagres, a lembrar outro título pirandelliano, Caos. 

O ponto de partida desta história são uns recortes amarelecidos pelo tempo que ainda guardam a passagem de Pirandello pelo Rio de Janeiro no ano de 1927, palco também de sua paixão – talvez não correspondida – por Marta Abba, a jovem intérprete sob medida para o seu teatro, e que ele havia encontrado poucos dias antes da viagem. Em paralelo, o mistério envolve outra trama, centrada no embaixador italiano Mário Guerra, que some sem deixar vestígios, como os rastros de Marta em Copacabana.    

 

Adeus, Pirandello fecha uma trilogia carioca de Marco Lucchesi, iniciada em 2010 com O dom do crime, cujo cenário é o Rio ao tempo de Machado de Assis (1886). O passo seguinte foi O bibliotecário do Imperador, de 2013, ambientado no mesmo Rio e no mesmo século XIX (1889). Mais uma vez, o poeta que traz nos olhos o clarão de um mundo inacabado nos oferece uma mistura hipnótica de prosa e poesia, num concerto de palavras com enredos labirínticos e fragmentos de discursos memorialísticos, entrecortados pela grave melodia do presente. Tudo para o prazer da sua leitura. 

 

O escritor brasileiro Antônio Torres (Bahia, 1940) é romancista, contista e cronista, autor de 17 livros, entre os quais se destaca a trilogia formada por “Essa Terra”, “O cachorro e o lobo” e “Pelo fundo da agulha”, publicada em Portugal pela Editora Teodolito. Sua obra tem conquistado inúmeros prêmios no Brasil e traduções em vários países. Membro da Academia Brasileira de Letras, onde ocupa a cadeira fundada por Machado de Assis, Antônio Torres é também sócio correspondente lusófono da Academia de Ciências de Lisboa.         

https://www.academia.org.br/academicos/antonio-torres/biografia

Marco Lucchesi

https://www.academia.org.br/academicos/marco-lucchesi/biografia

 

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