Cultura

AS PALAVRAS SÃO PRECIOSAS POR ISSO DIGO TÃO POUCAS | Nuno Brito

Foto de Connor Dugan na Unsplash

Considerar o mundo enquanto estrela que é e somos devia ser talvez o nosso principal papel, a poesia considera e está por isso entre as estrelas e a poesia de M. de Carvalho mostra-nos um mundo humano, complexo, cheio de humor e perplexidade, sem qualquer resposta mas com uma consideração – curiosidade intensa – de criança que tem diante de si algo grande de mais, uma vida enorme, do seu tamanho. Esta poesia é sincera e verdadeira e por isso corre riscos que a tornam mais bela e completa. A poesia de M. de Carvalho é uma festa da unidade… vale a pena, porque será intenso e verdadeiro, o mergulho.

 

A poesia de M. de Carvalho importa-se profundamente por aquilo que nos rodeia e faz parte de uma experiência comunitária (plural e unitária), uma zona de contacto, há um “nós” imanente à sua poesia que é de uma grande transparência, sinceridade e vitalidade.

 

  A poesia de M. de Carvalho interessa-se por um mundo transparente e transmutável, um mundo complexo, humano e aquecido pelo riso e tecido a várias histórias. Um mundo humanizado longe de uma solenidade que muitas das criações poéticas nos foram habituando. Em contacto com Alexandre O’neill a poesia de M. de Carvalho importa-se primeiro pelo essencial,  pelo que no mundo há de mais verdadeiro (o desimportante, o que não é solene e artificial)

 

Nas palavras de Alexandre O’neill:

 

“Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim?

 

Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler.

 

Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter.

 

Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros.

 

É pouco como projeto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta, enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas, tenham estatuto ou não.

 

Mas comigo, talvez essa oscilação se dê com mais frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço.

 

É o preço que tenho pago para o esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas.”

 

Verdade que encontramos na transparência, no humor e na coragem da poesia de M. de Carvalho, a coragem que Mário de Andrade diria ser necessário para ser inocente e para ser mais verdadeiro (mais poético e mais real). A Poesia de M. de Carvalho interessa-se pelo mundo verdadeiramente (estando entre, perguntando e aprofundando através do riso, do humor, de uma grande amplitude temática e formal que considera ativamente e criativamente a nossa experiência como seres humanos na terra: é uma poesia porosa, feita com força, certeza, segurança e verdade, uma poesia que se interessa pelo que de mais humano há no mundo – aquilo que nele há ultrapassagem (aprendizagem e superação), mas também de comunitário, de nós e de verdadeiro, o que nele pode despertar o riso a perplexidade, o espanto ou ainda maior do que  tudo isso o sorriso,  talvez a forma mais pura do humano e talvez o mais divino. A poesia de M. de Carvalho deixa um sorriso e por isso aumenta também o nosso mundo. 

 

Porque tacteia porque apreende, porque é direta é esta  ativamente uma poesia de aprendizagem e expansão: nas palavras de Luís Severo ela é a de alguém que não para de crescer, , essa é a originalidade da sua poesia, a sua coragem, força, sinceridade e riso, o seu crescimento e aprendizagem: cresçamos juntos,também,  concretamente com leituras e diálogos: que a poesia e a poesia de M. de Carvalho não pare nunca de unir, que não pare nunca de rir – de se entranhar também em tudo. . Aprendamos com ela e cresçamos juntos. Obrigado.

 

Nuno Brito

Arouca 17 de Maio de 2024

Fotografia de Nuno Brito

Nuno Brito nasceu no Porto em 1981. É Professor Visitante no Departamento de Línguas e Culturas Românicas da Universidade de Buffalo em Nova York e autor dos livros: Delírio Húngaro (2009), Antologia (2011), Crème de la Crème (2011), Duplo-Poço (2012), As abelhas produzem sol (2015), Estação de serviço em Mercúrio (2015), O Desenhador de Sóis (2017), Ode menina (2021) e Escrever um Poema sobre a Liberdade e vê-lo arder (2022).

 

 

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