Cultura

A poética de Jô Drumond | Ester Abreu Vieira de Oliveira

Há muitos poetas no Espírito Santo (Brasil). Para esta afirmação atestam diversas obras individuais e antológicas nas várias academias do ES, como a Academia Feminina Espírito-santense de Letras (AFEL) e a Academia Espírito-santense de Letras (AES). 

 

Dessas duas instituições farei um breve relato da poética de Josina (Jô) Nunes Drumond, Vice Presidente da AFEL, ocupante da cadeira 10; e 3ª. Vice-Presidente da AEL, onde ocupa a cadeira 32, que tem como patrona a poetisa Maria Antonieta Tatagiba, a primeira mulher capixaba a publicar um livro de poema, e no RJ. 

 

Jô Drumond, além de ensaísta e contista, é uma poetisa nata. Em 2005, quando publicou Charneca, conheci a sua obra poética, nos 57 poemas de temas diversos, sejam os relacionados com a sua infância, ou os pertinentes à vida familiar na fazenda, ou na região mineira de sua origem. 

 

O poema “CAPÃO CHATO” (p. 15) dá abertura ao livro Charneca.  Nele renascem: casa, família e entorno, num arquétipo adormecido no fundo do inconsciente: “Com memória lacunar,/ ressuscito tempos idos/[…]”. Em DIVAGAÇÕES (p. 280) o eu poético dirá na introdução do poema “Mergulho em infindos devaneios/ Palmilho do tempo a vastidão/ Ávida por novas sensações”.  Nesse mundo onírico, Jô relembra pessoas e situações e obras literárias. Mas, como vem se dedicando a estudos críticos, ela se preocupa com o fazer poético e, no metapoema AGRURAS DA POESIA (p. 31), questiona em um jogo do não saber: “Por onde começar?/ Como se expressar?/ Lápis em riste/ papel em branco/ Grafite em franco ataque/ Amargura do poeta/ Risca e rabisca o papel/ […]”. E em ALEGORIA DA CAVERNA (p.71), presta um tributo a Platão: “A caverna é meu mundo/ O prisioneiro sou eu […] ”. 

 

 Em 2009, Jô publicou Filigranas poéticas/ Filigranes poétiques, com 66 poemas de pensamentos filosóficos poéticos, em português e francês. Em curtos poemas a poeta refletirá sobre a dor, o absoluto, as lembranças, o sonho, enfim, sobre vários sentimentos humanos. Cito O AVARENTO II, (L´AVARE II) (“Com manias de avareza/ chora/ uma lágrima de cada vez/ por precaução/”/ “Ayant des manies d`avarice/ Il pleure/ Une larme à chaque fois/ par précaution”) e “Dédalo (Dédale)” (“No labirinto da vida/ Em cada caminho,/ Um minotauro nos espreita./ Em qualquer direção/ […]”//  « Dans le labyrinthe de la vie,/ à chaque chemin,/ un mionotaure nous guête./ dans toutes les directions,/[… » (pp. 14 e 15). Esses poemas nos oferecem, com uma intertextualidade com o avarento, da obra teatral L`Avaré, de, Jean-Baptiste Poquelin (Molière), a mácula da usura humana, e com Dédalo, o arquiteto do labirinto, o mito do minotauro, acentuado na obra poética de Ovídio, as perigosas surpresas em nosso trilhar.  

 

Jô Drumond é Graduada em Letras e Artes Plásticas e Doutora em Comunicação e Semiótica. Tem uns 20 livros entre contos, ensaios e poesias. Em 2021, em plena pandemia, nos presenteia com o livro POÉMÁQUA Poemas e Aquarelas, dividido em três partes: Diversos, Reflexões e Amores. Nessa obra, trinta aquarelas acompanham trinta poemas em português//francês reforçando a mensagem lírica na contemplação da natureza e da vida. Há nos poemas uma estrutura espiritual sem um arcabouço lógico. 

 

O poema VENTANIA/ LA BOURRASQUE (p. 59-60), que vem depois de uma aquarela, numa paisagem onde se movimentam as palmas de sete palmeiras, predominando o verde, é um exemplo de pulsão poética de Jô. “Observo a ventania/ recriando nuvens em céu varrido/ espalhando incertezas vida adentro/ tecendo dores em meu peito […]”/  “J´observe la bourrasque/ qui récrée des nuages dans un ciel balayé/ qui répand des incertitudes dans ma vie/ et tisse des douleurs dans ma poitrine […]”.  As firmes palmeiras com suas palmas balançantes são como nuvens em movimento. Esta comparação leva o eu poético a se descobrir, a ter coragem para enfrentar um oculto temor. “É preciso apagar a luz/ para enxergar as trevas”//Il faut éteindre la lumière/ pour voir les ténèbres”. E no metapoema CAMINHO LITERÁRIO CHÉMIN LITTÉRAIRE (p. 22-23), antecedido pela aquarela de uma paisagem, cortada por um caminho sinuoso entre árvores, os versos tecem uma biografia poética da autora. As três estrofes são tituladas em negritos pelos versos 1- “Meu caminho é heterodoxo”, 2- “Meu caminho é poético”, 3- “Meu caminho é literário”. A conclusão do poema está nos versos em negrito: “No desvão das entrelinhas/ encontro o sentido da vida”.

 

Em POÉMÁQUA… sentimos o escritor diante da realização de sua obra, compartilhamos seus anseios e observamos seus objetivos, enriquecemo-nos com o saber que transmite nas imagens verbais e visuais. Muitos poemas trazem dedicatórias, afirmando a afetividade, a admiração ou o reconhecimento de Jô a poetas franceses, como Rimbaud, ou a escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, a obras brasileiras ou estrangeiras como DOM QUIXOTE, E GRANDE SERTÃO, a amigos como o seu cardiologista, Jorge Elias e, gentilmente, me inclui nas dedicatórias com ERRÂNCIA/ ERRANCE (p. 28-31), depois de uma aquarela, em homenagem a Cervantes com a figura de dois cavaleiros, alegoricamente representando Sancho Panza e Dom Quixote, um no seu burrinho e o outro no seu cavalo o Rocinante, numa paisagem onde se encontram moinhos de vento. 

 

Heidegger, em a Arte e poesia, afirma que a essência da arte é colocar a verdade do ser e esta é o belo. E em POÉMÁQUA…, a verdade da arte poética de Jô está em ilustrar a mensagem de dois aspectos: o poético da pintura e o do poema. Em cada aquarela encontra-se a essência poética e, nesse jogo, entre a palavra e a imagem, Jô brinca com as letras, colora um mundo de formas e técnicas.  Ler os poemas contidos nessa obra é viajar por um campo cultural rico e sensível. 

 

Enfim, a arte poética não é só confissão do artista. É onde ele encontra ecos de sinceridade de todos os homens, onde, com sua arte, se torna o porta voz da humanidade nos destaque que dá aos arquétipos humanos. Como o intérprete de cada um de nós, Jô Drumond diz, de uma maneira admirável e autêntica, o que nos falta para a manifestação de nossa emoção, não porque nos quer ensinar nada, mas porque procura apresentar-nos o objeto de sua revelação. 

 

Referências

 

DRUMOND, Josina Nunes. Charneca. Vitória: Grafitusa, 200

______. Filigranas poéticas/ Filigranes poétique (Poémes). Vitória (ES): Grafitusa, 2009.

______. POÉMÁQUA Poemas e Aquarelas. Muniz Freire – ES: Café& livros, 2021. 

HEIDEGGER, M. Arte y poesía. Traducción y prólogo de Samuel Ramos. México: Fondo de Cultura Económica, 1988.

 

Fotografia de Ester Abreu Vieira de Oliveira

 

Ester Abreu Vieira de Oliveira (Muqui  – ES-Brasil–1933), escritora, atua nas áreas de teatro, poesia e narrativa das Literaturas Brasileira e Hispânica e é membro do colegiado do PPGL/UFES. Tem publicações de: poesia, ensaio, crônica, memória, infantil, didático, traduções e discurso, É Professora Emérita da Ufes, Presidente da AEL, Vice – Presidente da AFESL, Tesoureira da APEES, membro do IHGES entre outras entidades e é membro de conselhos editoriais.

 

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