Virgínia do Carmo: a apoteose de uma luz de dentro e a narrativa Zulmira morreu
Nasceu em França em 1973.
Licenciou-se em Comunicação Social em Lisboa e está à frente de um projeto editorial de relevo, a Poética Edições. Desde 2013.
Não esconde as raízes transmontanas.
Iniciou um percurso poético em 2004 com a obra Tempos Cruzados.
Em 2011 publica Uma Luz Que Nos Nasce Dentro, contos.
E aí se vislumbra o universo telúrico e visceral de onde emerge o discurso narrativo.
Um diálogo com a morte, a vida, um interlocutor algo incognoscível.
“Mas temos estado sós desde que nasceste. Sós e impedidos de estarmos um com o outro. Porque nos falta o silêncio e o tempo para darmos as mãos e contarmos tudo um ao outro. De como te doeu nascer”.
A representação do amor e do afeto. A maternidade. Não numa qualquer condição obrigatória e prolixa. Não. Numa anterioridade. Numa ponderação filosófica. Num apelo.
Na obra Relevos de 2014 vai ao encalce de um alcatrão, de uma “fricção do mundo”.
Notável o encadeamento frásico. O corpo desaba num apocalipse em ardência.
“Perdida, desabo da polpa dos meus dedos
sobre todos os nomes, e depredada fujo.
Mas os estilhaços da tristeza atingem e
afligem o meu peito pequeno, tão pequeno,(…) “.
A explosão de cinzas. Uma reordenação de matrizes. A dimensão de um “pequeno” face a um tamanho vulgar. Desencontros.
Atalhos, ângulos.
“E também não tenho sinónimos onde caber inteira.
Talvez nem os meus pés tenham formas iguais”.
E o lugar do corpo. A estrada de um coração em dor, bisturi e luz.
As hecatombes de um sentir. Em fundo, por vezes, a cálida paisagem transmontana. As árvores. Os bichos. Os cavalos.
Em 2019 publica Ecos e Green Rose.
“Tão difícil colocar a voz no chão e andar.
Descer às sílabas simples das coisas, à plana
brancura dos significados claros”.
Ecos. Brevidades. As palavras ecoam silábicas. Bastas vezes, ferem.
Uma angústia. Os novos tempos.
A imersão num caos. A inquietude.
Em 2020 Virgínia do Carmo publica a 2ª edição dos contos Uma Luz Que Nos Nasce Por Dentro.
Porque é isso. Caminhamos em direção a uma qualquer luz.
Caminhamos na incerteza.
Quando do surgimento desta pandemia, por exemplo, ficámos suspensos, atraídos por um qualquer fim maior. Mas também nos queremos preservar.
As palavras. Os silêncios. As pausas. A dor. O lugar do Filho enquanto ser que nasce do interior dos ventres. Abnegação. Montanhas e planícies que habitámos.
Mas é sobretudo na narrativa agora publicada Zulmira Morreu (agora em 2021) que encontramos uma estória tremenda de violência doméstica, contada com palavras simples, mas fortalecidas num discurso apelativo e nunca caindo no vocábulo fácil.
Firma-se como escritora e poeta. Escrita portentosa e de denúncia.
Cecília Barreira é actualmente professora de Cultura Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa. Pertence ao CHAM, onde é investigadora de periódicos. Pertence aos grupos de pesquisa AMONET e IRENNE, sobre questões de género. Licenciada em História, com Doutoramento e Agregação em Estudos Portugueses, interessa-se particularmente pela História das Mentalidades. Publicou diversos ensaios e livros de poesia e neste domínio, estreou-se em 1984 com Lua Lenta. Seguiram-se A Sul da Memória (1987), Memórias de uma Deusa do Mar (1995), 15 anos de Alguma Poesia (1999), 7&10 (2003) e Cartas BD (2005), As Opções Ideológicas e o Fenómeno Feminista em Portugal (2009), Do Diário de Lisboa à Revista Maria (2016), Quirino de Jesus e Outros Estudos (2017) e Voando sobre um Ninho Fêmeo (2019).