Após o Dictionnaire amoureux du Brésil, Dicionário amoroso do Brasil, de Gilles Lapouge (2011), chega agora ao público francês O Dictionnaire insolite du Brésil, ou seja, Dicionário insólito do Brasil. Um livro escrito por Izabella Borges e publicado pela editora Cosmopole que vem se juntar à coleção de dicionários insólitos que conta com mais de 70 países. Eles procuram explorar a cultura e as peculiaridades de cada um deles de forma leve e acessível.
O Dicionário insólito do Brasil apresenta 140 verbetes em 160 páginas num formato fácil de manusear e uma escrita acessível e agradável. Um dicionário “insólito”, ou seja, de palavras extraordinárias, raras, singulares. Ele deseja apresentar aos leitores francófonos um retrato diversificado e interessante do Brasil, indo além dos estereótipos comuns associados ao país, como o carnaval e o futebol, mesmo se o primeiro termo conta do livro.
Convidada para escrever o livro, Izabella Borges teve a total liberdade de escolher os verbetes que explora a história, a geografia, a política, passando pela culinária, música e nossas expressões culturais. Ele oferece assim aos franceses que conhecem o Brasil, e os que ainda não tiveram esse prazer, a possibilidade de abordar o país através de uma visão única, singular.
O Dicionário explora a relação entre os dois países tendo como verbetes personalidades francesas importantes na história brasileira a exemplo de Auguste Comte, Brigitte Bardot, o kardecismo de Kardec, Jean-Baptiste Debret, Pierre Verger e Stefan Zweig; e brasileiros como Souza Dantas, o “Justo entre as nações” diplomata brasileiro na França que concedeu vistos para o Brasil a judeus e outras minorias perseguidas pelos nazistas.
Escritora e tradutora, Izabella Borges não poderia deixar de falar de autores que traduziu como Conceição Evaristo, Clarisse Lispector, mas também de outros nomes importantes na história literária brasileira: Monteiro Lobato; Nelson Rodrigues; Manoel de Barros e Cora Coralina. Lamenta que estes dois últimos não sejam conhecidos dos franceses por falta de tradução.
O livro começa com o verbete “abacaxi”, a fruta que conhecemos, mas também o nome que os cariocas davam aos colonos na época que o Rio era a capital do Brasil! A escolha dele foi por ele significar também um “problema”, pois considera que o Brasil é um país de mil e uma maravilhas, mais que cai constantemente sob o jugo de grupos políticos que fazem a vida parecer um abacaxi, difícil de descascar.
Outras frutas fazem parte do dicionário, conhecida por aqui como “caju”, “açaí”, “guaraná”. O primeiro de castanha muito consumida e querida dos franceses e os dois últimos utilizadas como complementos alimentares ou em remédios como vitamina C.
Tem também sonoridade nesse dicionário, uma “área musical” com “Tom Jobim”, “Maria Bethânia”, “MPB”, “Samba”, entre outros; homens e sobretudo mulheres (que Izabella quis prestigiar) políticos e resistentes como Zumbi dos Palmares, Dom Hélder Câmara, Dilma Rousseff, Marielle Franco, Maria Quitéria, Lampião e Pelé. E a mulher de negócios Luisa Helena Trajano.
“Caipirinha”, “capoeira”, “Corcovado” que já fazem parte do universo francês; mas também termos menos conhecidos como “axé”, “cafuné”, “churrasco”, “festa junina”; lugares como “área de serviço” e “Casa de festa”, igualmente desconhecidos, insólitos, por aqui. Muitas expressões como “Casa da mãe Joana”; “Galo da madrugada”, figura do carnaval recifense já no Canadá; … Termos que desejam mostrar o Brasil na sua grandeza e pluralidade, sem precisar cair em estereótipos, segundo a autora.
Salvo raras exceções ela os escreve em português, para explicá-los buscando a etimologia das palavras, suas histórias, suas influências, seus desenvolvimentos no tempo, fincadas na história do Brasil. Um trabalho que Izabella Borges considerou muito agradável e de resultado à altura de suas expectativas.
Como sul-mato-grossense, fiquei espiando os que tinham relação com esse lugar. Não encontrei a “rainha da viola”, nossa Helena Meireles, mas tinha lá “mandioca”, comida indígena que nessa minha terra se faz coxinha de massa de mandioca, é servida como pão em churrasco… de importância para a saúde e que está chegando nos restaurantes prestigiosos.
Bela obra que ajuda a compreender nossa terra ao público francófono.
Nascida no Rio de Janeiro, Izabella Borges vive e trabalha na França há mais de 20 anos. É autora, tradutora (para o francês e o português), ensaista, professora, curadora de exposições e eventos literários, ela tem feito dialogar as artes e, sobretudo difundir a literatura brasileira na França. Após ter trabalhado algum tempo na Embaixada do Brasil em Paris, Izabella Borges se consagra à literatura. Traduziu Um crime delicado (Un Crime délicat) de Sérgio Sant’Anna e Nouvelles brésiliennes (2017) 10 autores; Olhos d’água (Ses yeux d’eau) de Conceição Evaristo (2020, prêmio 2021 da Academia Claudine de Tencin); A Mulher que matou os peixes (La femme qui a tué les poissons) e Quase de verdade (Comme si c’était vrai) de Clarice Lispector (2021). Para o português traduziu Hélène Cixous e Antoinette Fouque.
QUESTÕES
- Como foi o trabalho de escolha dos termos e quanto tempo durou?
- Tem termos que não entraram? Se sim por quê?
- Por que Minas Gerais entre os 26 estados brasileiros, é o único a ter uma entrada no dicionário?
- Você não quis cair nos estereótipos, mas introduzir “bunda”, por quê?
- Quais foram os termos que teve mais prazer em mostrar?
- Brasil, país continente, você teve uma preocupação, ou não, de introduzir termos insólitos de todas as regiões do país?
- Foi preciso ter cuidado em explicar alguns termos brasileiros aos franceses?
- Qual foi a tua preocupação em dar ao dicionário a herança cultural negra e indígena através dos verbetes?
- Você me fez conhecer dos termos, “Cales”, e o artista “Athos Bulcão”. O que quer dizer que o dicionário interessa também aos brasileiros. Pensa em dar a ele uma versão em português?
- Como está sentindo a recepção do livro no público francês?
- Qual é o teus próximos trabalhos, edições, Izabella?
“O Brasil em dicionário insólito na França”: Áudio com podcast da entrevista a Izabella Borges.
Mazé Torquato Chotil é jornalista e autora. Doutora (Paris VIII) e pós-doutora (EHESS), nasceu em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP e vive em Paris desde 1985.
Tem 13 livros publicados (cinco em francês). Fazem parte deles: Na sombra do ipê e No Crepúsculo da vida (Patuá); Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terena; José Ibrahim: O líder da grande greve que afrontou a ditadura; Trabalhadores Exilados; Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. Foi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e escreveu – e escreve – para a imprensa brasileira e sites europeus.
Izabella Borges : Doutora em Letras, tradutora, autora de ensaios e de contos, professora universitária, curadora de exposições e de eventos literários, Izabella Borges traduziu recentemente autores brasileiros como Sérgio Sant’Anna, Nelson Rodrigues, Godofredo de Oliveira Neto, Conceição Evaristo (tradução premiada em 2021 pela Académie Claudine de Tincin), Clarice Lispector e Thalita Rebouças, além de inúmeros trabalhos acadêmicos, artigos de imprensa e científicos. Em 2023, ela publicou na França o Dictionnaire insolite du Brésil pela editora Cosmopole.